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Olivério Serpa com a taça de campeão mundial |
Na
antecâmara de mais um Campeonato do Mundo de hóquei em patins - marcado em 2022
para a Argentina - abrimos as portas do nosso Museu para recordar a segunda sticada certeira de Portugal no troféu
planetário mais cobiçado ao nível de seleções nacionais. Uma história que
aconteceu em 1948, precisamente um ano depois dos lusos terem inscrito pela
primeira vez - em Lisboa - o seu nome na lista de campeões mundiais. Entravámos
na 4.ª edição do Mundial que pela segunda vez na sua ainda curta história tinha
como palco uma cidade que eternamente estará ligada ao hóquei em patins:
Montreux.
Popular
a nível internacional pelo seu Festival de Jazz; por albergar estátua do
falecido e icónico vocalista da banda Queen, Freddie Mercury; e claro, pelo
hóquei em patins - onde é disputado anualmente o mítico Torneio de Montreux -,
a cidade helvética recebeu nove seleções nesse ano de 1948 para disputar não só
o Mundial como também o Campeonato da Europa, tendo em conta que na época ambas
as competições se disputavam no mesmo torneio! Além da equipa da casa, a prova
contou com a França, Espanha, Bélgica, Itália, Inglaterra, Holanda, Portugal e
Egito, a única seleção não europeia. O certame, disputado entre os dias 24 e 30
de março de citado ano, foi desenrolado num sistema de "todos contra
todos", sagrando-se campeã a seleção que somasse mais pontos ao longo
deste mini-campeonato que tinha a particularidade de ter a competir o maior
número de seleções (9) em quatro edições.
Na
antevisão deste campeonato o jornalista da revista Stadium, Jorge Monteiro, opinava que a tarefa dos lusos para
renovar o título não se afigurava fácil, tendo em conta que estes iriam ter
pela frente oito turmas «qual delas a
melhor apetrechada para o assalto, que certamente lutarão estoicamente para
destronarem os campeões». Apesar deste aviso, o jornalista frisava que
mesmo perante a forte concorrência não se devia duvidar da nossa seleção, lembrando
que a crise moral dos portugueses na sequência de uma recente derrota ante o
vizinho e eterno rival, a Espanha, estaria sanada e que os hoquistas lusos eram
bem capazes de regressarem da Suíça vitoriosos.
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A comitiva lusa antes do embarque para a Suíça |
«Tenhamos, portanto,
confiança, e sobretudo fé no triunfo. Oh, quem dera! É que teria ainda muito
mais valor por ser confirmado (o título) no estrangeiro», assim desejava
Jorge Monteiro. Numa análise da concorrência o escriba da Stadium
destacava Espanha, Bélgica, Itália e Inglaterra com o seleções com
possibilidade de chegar ao título, apontando ainda os estreantes Holanda e o
Egito como verdadeiras incógnitas neste Mundial/Europeu.
Quis
os sorteio que os lusos defrontassem no penúltimo dia da competição dois dos
candidatos ao cetro mundial, a Espanha e a Itália, ao passo que para o
derradeiro dia do campeonato Portugal media forças com outra das grandes potência
da modalidade na altura, a Inglaterra, duas vezes campeão mundial.
Para
Montreux o selecionador nacional José Prazeres levava os seguintes jogadores:
Emídio Pinto, Manuel Soares, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, Jesus Correia, Correia
dos Santos, Cipriano Santos, e António Raio. Em relação ao Mundial de 47 duas
novidades na convocatória, Raio e Manuel Soares, que substituíam António Soares
e Álvaro Simões.
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A seleção nacional que em 1948 se sagrou bi-campeã mundial |
A
Stadium esteve no Aeroporto da Portela para se despedir da comitiva lusa, que
integrava ainda o árbitro Martins Correia, tendo trocado algumas palavras com
os nossos selecionados. «Confiantes,
contagiando com o seu entusiasmo todos quantos os foram ver partir ao Aeroporto
da Portela, os rapazes do grupo nacional de hóquei instalaram-se no potente
avião da KLM, sorridentes e garantindo-nos que hão-de regressar vitoriosos
(...) José Prazeres, o selecionador nacional, garantiu-nos que: os rapazes vão
cheios de fé e animados pela confiança na vitória. Manteremos o nível de
classificação compatível com os
lugares conquistados anteriormente. E posso-lhe garantir que defenderão o
título com o maior entusiasmo (...) Regressarão campeões? Porque não? No
entanto é sempre arriscado fazerem-se prognósticos num torneio de tanta
responsabilidade como este campeonato do Mundo. Mas há um pormenor que lhe
posso garantir: a equipa regressará honrada pelas suas exibições e o nome do
nosso país será em Montreux condignamente representado por este grupo de
rapazes plenos, de entusiasmo, de fé, e especialmente bem portugueses». Na
despedida à seleção lusa uma adepta muito especial, a avó de Olivério Serpa, um
dos craques da nossa seleção, uma senhora que do alto dos seus 90 anos nunca
falta a um evento de hóquei em patins, de acordo com a Stadium. Olivério Serpa que era o capitão da turma lusa, ele que à
reportagem da revista deixava claro que a equipa nacional ia para a Suíça «com coragem e energia suficientes para
defendermos o nosso título de campeões. Concordo que a empresa é de grande
responsabilidade, mas não será surpresa se regressarmos com o honroso título
com que agora seguimos para Montreux».
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Um jogo do Mundial de 1948 |
E
os lusos não defraudaram as expetativas, tendo saído da Suíça com o título de
campeão no bolso. Foi uma caminhada quase imaculada, e quase porque não fosse a
derrota na última jornada com a Inglaterra, Portugal teria conquistado este
bi-campeonato mundial de forma invicto. Para a Stadium este triunfo foi mais especial que o de 1947 pela simples
razão que foi conquistado fora de portas, e de forma admirável. A citada
revista referia mais à frente na sua reportagem que este torneio internacional
havia sido o melhor de sempre - até à data -, já que foram batidos vários
recordes, desde logo a assistência, em grande número. Mas também a nível de
resultados o campeonato foi memorável, tendo a Inglaterra batido o seu recorde
maior goleada em Mundiais no jogo com a Holanda (17-0), e Portugal também a
estabelecer novos recordes "pessoais" em termos de scores avolumados nos encontros com a
Holanda (15-0) e Egito (13-0). Recorde também no número de golos marcados em
toda a prova: 288, «uma média alta,
quando numa dúzia de campeonatos anteriores se tinham feito 1315, menos de metade,
em média, por ano, em relação ao torneio de 1948», referia a título de
curiosidade a Stadium.
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O presidente da Federação Internacional entrega a taça a Olivério Serpa |
Portugal
entrou para a última partida com os ingleses já campeão do Mundo, tendo em
conta que na dupla jornada da véspera havia batido a Espanha e a Itália pelo
menos resultado (3-1), de nada afetando pois o desaire por 1-2. Portugal
terminou o Mundial em 1.º lugar , com 14 pontos, os mesmos que os ingleses, mas
com vantagem no número de golos marcados e sofridos. Os lusos somaram sete
triunfos, de forma mais concreta, ante a Espanha (3-1), perante a Itália (3-1),
diante da França (6-0), da Suíça (5-4), da Bélgica (10-0), e os já referidos
triunfos antes os estreantes Egito e Holanda, que foram, respetivamente, os dos
últimos classificados deste campeonato.
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A receção aos campeões no Ministério da Educação |
A
receção aos campeões do Mundo foi apoteótica em Lisboa. A comitiva lusa seria
homenageada, já em solo luso, dias mais tarde, num Pavilhão dos Desportos
repleto de público. Ainda na pista do aeroporto de Lisboa os jogadores foram
agarrados por uma multidão em profunda euforia e levados em ombros como
verdadeiros heróis. «Através das ruas de
Lisboa, entre filas de povo, de gente de todos os setores sociais, os
triunfadores não cessavam de receber aclamações. E a manifestação culminou em
apoteose - que era ainda a do primeiro ato de uma grande peça... quando se
atingiu o Ministério da Educação Nacional. Aí foi o delírio! Ao assomarem a
janela do edifício - já depois de recebidos os agradecimentos da nação - os
campeões do Mundo puderam verificar, com satisfação, quanto o seu feito era
apreciado; a multidão em coro, sem que para tal tivesse sido solicitada, rompeu
a cantar o hino nacional! Era Portugal inteiro a vibrar de contentamento pela
voz humilde do povo de Lisboa!», retratava a Stadium que dava ainda conta que os primos Jesus Correia e Emídio
Pinto foram também recebidos apoteoticamente em Paço de Arcos, a sua terra, e
que o mesmo aconteceu em Sintra com Raio. No dia 7 de abril de 1948, o dia seguinte à
chegada a Lisboa dos campeões, foi a vez do Pavilhão dos Desportos receber em
euforia os triunfadores, numa sessão solene onde lhes foram entregues
lembranças, como anéis de ouro, ou cigarreiras de prata. Além de que o
Ministério de Educação Física atribuiu a cada jogador uma medalha evocativa do
feito. Jorge Monteiro, o jornalista encarregue de cobrir esta receção, rematava
a sua reportagem dizendo que os hoquistas lusos merecerem estes aplausos da
nação, pois honraram Portugal e dignificaram o desporto e que «bem merecem, por
conseguinte, da pátria que lhes foi berço e que não os deve olvidar - como
heróis que são das atualidades desportivas. Embaixadores do melhor quilate,
desportistas da mais fina gema, os campeões do Mundo de hóquei em patins podem
ufanar-se de si e do seu nome de portugueses!».
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